quarta-feira, 2 de abril de 2014

História Viva: Cães gregos, tabaco estragado e proteínas

As doenças sempre assolaram a humanidade e ainda são uma das principais preocupações da sociedade. Felizmente, o avanço da biologia nos revelou grande parte das causas de males de saúde e como controlá-las. Mas, em um passado não tão distante, essas informações não eram conhecidas nem pelos mais altos intelectuais e estudiosos cientistas. E das diversas causas patológicas, o vírus (do latim para "veneno") foi a última a ser descoberta.

Homero, grande poeta da Grécia Antiga, nos traz a primeira referência à doenças virais. Na sua obra "Ilíada", ele se utiliza da expressão "cães raivosos" para referir-se ao comportamento dos cães infectados com o vírus causador da doença chamada - adivinha - raiva. Na Mesopotâmia, berço da civilização, também já era conhecida a raiva, causada por algum "veneno". E no Egito, desenhos dos túmulos mostram pessoas com deformações nos membros inferiores, uma possível poliomielite.

Porém, o real estudo dos vírus se deu muito mais tarde. Em 1796, Edward Jenner elaborou a vacina da varíola, o que é assunto para outra publicação. Entretanto, ainda não se conhecia a causa da doença.

Até o final do século XIX, os únicos agentes patogênicos que se conheciam eram bactérias, fungos e protozoários. Robert Koch ajudou muito para o desenvolvimento do estudo patológico cultivando a bactéria causadora da tuberculose em laboratório, em 1880. O mesmo Koch que elaborou 4 postulados (ou regras) às quais um organismo teria que obedecer para ser identificado como o causador de uma doença:
1 - O organismo deve ser encontrado nas lesões da doença com regularidade.
2 - O organismo deve ser isolado do hospedeiro infectado e cultivado em laboratório.
3 - A contaminação de um hospedeiro saudável com o organismo puro cultivado em laboratório deve iniciar a doença.
4 - O organismo deve ser encontrado nas lesões do segundo hospedeiro infectado.

Folha de tabaco afetada pelo mosaico do tabaco.
Em 1892, um estudante russo de botânica, Dimitri Ivanovski, fez um artigo científico sobre o mosaico do tabaco, uma doença que causa manchas amarronzadas ou amareladas nas folhas do vegetal, inutilizando-o para o comércio, como mostra a figura ao lado. Os resultados da sua pesquisa foram intrigantes: a seiva infectada do vegetal continuava transmitindo a doença mesmo depois de passar por uma vela de Chamberland - uma espécie de filtro que era capaz até de reter as bactérias. Logo, o agente infeccioso não era nenhum ser dos tipos conhecidos. Dimitri então supôs que a doença fosse resultado de uma toxina possivelmente liberada por bactérias do mosaico, e sua pesquisa parou por aí.

O tabaco é uma espécie vegetal americana, sendo levado para a Europa somente no século XVI, resultado do intercâmbio colombiano, denominada Nicotiana tabacum. Como o próprio nome diz, o tabaco possui nicotina, uma substância que pode levar ao vício. Inicialmente utilizado por suas propriedades terapêuticas, no século XIX o tabaco era tão somente popular pelo prazer de fumar, como uma mera ostentação começada na Espanha com o charuto. Com todas essas características, fica óbvio que a planta ocupava um importante papel econômico, enchendo grande parte do território rural nas enormes fileiras de plantações monoculturais. Como a mesma espécie se espalhava por quilômetros de terra, uma doença que pegasse em uma planta poderia facilmente contaminar suas milhares de vizinhas.

Em 1898, o mosaico do tabaco foi novamente alvo de pesquisas. Dessa vez, o holandês Martinus Beijerinck repetiu as experiências de Dimitri, porém discordou da conclusão. Após mais alguns testes, Beijerinck descobriu que a doença não poderia ser causada por uma toxina, pois, ao diluir a seiva contaminada, o poder infeccioso não diminuia, como seria o esperado. Logo, o agente infeccioso deveria ser um microorganismo, porém de certa forma fluido, já que não era filtrado pela vela de Chamberland. Foi dado o nome de Contagium vivum fluidum a esse ser desconhecido. Toda essa ideia foi ridicularizada no meio científico, embora esse fosse o primeiro vírus a ser identificado.

Logo depois de Beijerinck, vários vírus foram descobertos. Na Alemanha, o primeiro vírus que agia em animais foi encontrado, o da febre aftosa; em Cuba, o primeiro vírus que infectava homens foi identificado, o da febre amarela; e, durante a Primeira Guerra Mundial, descobriu-se o primeiro bacteriófago, um vírus que contamina bactérias. A partir daí, dezenas de vírus eram encontrados, todos obedecendo aos postulados de Koch. Porém, como o microscópio óptico não conseguia mostrar esses agentes patogênicos, não se sabia ainda que eram vírus os causadores de tanta doença. Especulavam-se que seriam parasitas, talvez até pequenos protozoários ou enzimas.

Somente em 1928 surgiu a primeira ideia de vírus. Segundo Arthur Boycott, esses seres seriam organizados em proteínas, e portanto não teriam metabolismo, só se utilizariam do metabolismo da célula hospedeira. Mas foi em 1935 que a grande descoberta foi feita. O norte-americano Wendell Stanley conseguiu isolar tanto o agente infeccioso do mosaico do tabaco que obteve um simples cristal de proteínas que ainda conservava as características infecciosas. Entretanto, em 1936 descobriu-se que não eram somente proteínas nesse cristal, mas que ali também tinha acido ribonucleico, o RNA, a base da genética de um organismo.

Desde então, sabe-se que os vírus são ribonucleicoproteínas - nome difícil para proteínas com material genético. A invenção do microscópio eletrônico nos fez enxergar os vírus, e cada vez mais sua estrutura foi descoberta, detalhe por detalhe, até chegarmos ao conhecimento atual.

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