As doenças sempre assolaram a humanidade e ainda são uma das principais preocupações da sociedade. Felizmente, o avanço da biologia nos revelou grande parte das causas de males de saúde e como controlá-las. Mas, em um passado não tão distante, essas informações não eram conhecidas nem pelos mais altos intelectuais e estudiosos cientistas. E das diversas causas patológicas, o vírus (do latim para "veneno") foi a última a ser descoberta.
Homero, grande poeta da Grécia Antiga, nos traz a primeira referência à doenças virais. Na sua obra "Ilíada", ele se utiliza da expressão "cães raivosos" para referir-se ao comportamento dos cães infectados com o vírus causador da doença chamada - adivinha - raiva. Na Mesopotâmia, berço da civilização, também já era conhecida a raiva, causada por algum "veneno". E no Egito, desenhos dos túmulos mostram pessoas com deformações nos membros inferiores, uma possível poliomielite.
Porém, o real estudo dos vírus se deu muito mais tarde. Em 1796, Edward Jenner elaborou a vacina da varíola, o que é assunto para outra publicação. Entretanto, ainda não se conhecia a causa da doença.
Até o final do século XIX, os únicos agentes patogênicos que se conheciam eram bactérias, fungos e protozoários. Robert Koch ajudou muito para o desenvolvimento do estudo patológico cultivando a bactéria causadora da tuberculose em laboratório, em 1880. O mesmo Koch que elaborou 4 postulados (ou regras) às quais um organismo teria que obedecer para ser identificado como o causador de uma doença:
1 - O organismo deve ser encontrado nas lesões da doença com regularidade.
2 - O organismo deve ser isolado do hospedeiro infectado e cultivado em laboratório.
3 - A contaminação de um hospedeiro saudável com o organismo puro cultivado em laboratório deve iniciar a doença.
4 - O organismo deve ser encontrado nas lesões do segundo hospedeiro infectado.
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Folha de tabaco afetada pelo mosaico do tabaco. |
Em 1892, um estudante russo de botânica, Dimitri Ivanovski, fez um artigo científico sobre o mosaico do tabaco, uma doença que causa manchas amarronzadas ou amareladas nas folhas do vegetal, inutilizando-o para o comércio, como mostra a figura ao lado. Os resultados da sua pesquisa foram intrigantes: a seiva infectada do vegetal continuava transmitindo a doença mesmo depois de passar por uma vela de Chamberland - uma espécie de filtro que era capaz até de reter as bactérias. Logo, o agente infeccioso não era nenhum ser dos tipos conhecidos. Dimitri então supôs que a doença fosse resultado de uma toxina possivelmente liberada por bactérias do mosaico, e sua pesquisa parou por aí.
O tabaco é uma espécie vegetal americana, sendo levado para a Europa somente no século XVI, resultado do intercâmbio colombiano, denominada Nicotiana tabacum. Como o próprio nome diz, o tabaco possui nicotina, uma substância que pode levar ao vício. Inicialmente utilizado por suas propriedades terapêuticas, no século XIX o tabaco era tão somente popular pelo prazer de fumar, como uma mera ostentação começada na Espanha com o charuto. Com todas essas características, fica óbvio que a planta ocupava um importante papel econômico, enchendo grande parte do território rural nas enormes fileiras de plantações monoculturais. Como a mesma espécie se espalhava por quilômetros de terra, uma doença que pegasse em uma planta poderia facilmente contaminar suas milhares de vizinhas.
Em 1898, o mosaico do tabaco foi novamente alvo de pesquisas. Dessa vez, o holandês Martinus Beijerinck repetiu as experiências de Dimitri, porém discordou da conclusão. Após mais alguns testes, Beijerinck descobriu que a doença não poderia ser causada por uma toxina, pois, ao diluir a seiva contaminada, o poder infeccioso não diminuia, como seria o esperado. Logo, o agente infeccioso deveria ser um microorganismo, porém de certa forma fluido, já que não era filtrado pela vela de Chamberland. Foi dado o nome de Contagium vivum fluidum a esse ser desconhecido. Toda essa ideia foi ridicularizada no meio científico, embora esse fosse o primeiro vírus a ser identificado.
Logo depois de Beijerinck, vários vírus foram descobertos. Na Alemanha, o primeiro vírus que agia em animais foi encontrado, o da febre aftosa; em Cuba, o primeiro vírus que infectava homens foi identificado, o da febre amarela; e, durante a Primeira Guerra Mundial, descobriu-se o primeiro bacteriófago, um vírus que contamina bactérias. A partir daí, dezenas de vírus eram encontrados, todos obedecendo aos postulados de Koch. Porém, como o microscópio óptico não conseguia mostrar esses agentes patogênicos, não se sabia ainda que eram vírus os causadores de tanta doença. Especulavam-se que seriam parasitas, talvez até pequenos protozoários ou enzimas.
Somente em 1928 surgiu a primeira ideia de vírus. Segundo Arthur Boycott, esses seres seriam organizados em proteínas, e portanto não teriam metabolismo, só se utilizariam do metabolismo da célula hospedeira. Mas foi em 1935 que a grande descoberta foi feita. O norte-americano Wendell Stanley conseguiu isolar tanto o agente infeccioso do mosaico do tabaco que obteve um simples cristal de proteínas que ainda conservava as características infecciosas. Entretanto, em 1936 descobriu-se que não eram somente proteínas nesse cristal, mas que ali também tinha acido ribonucleico, o RNA, a base da genética de um organismo.
Desde então, sabe-se que os vírus são ribonucleicoproteínas - nome difícil para proteínas com material genético. A invenção do microscópio eletrônico nos fez enxergar os vírus, e cada vez mais sua estrutura foi descoberta, detalhe por detalhe, até chegarmos ao conhecimento atual.