quarta-feira, 23 de abril de 2014

Parasitas & Doenças: O plasmódio e a malária

A malária é uma doença provocada por protozoários de gênero Plasmodium. Existem mais de cem tipos de parasitas da malária, sendo os principais Plasmodium vivax, Plasmodium falciparum, Plasmodium malarie e Plasmodium ovale; a doença causada pelo vivax é a mais comum, e a pelo falciparum, a mais letal. O protozoário é transmitido pela picada de mosquitos do gênero Anopheles, além de por transfusão de sangue contaminado, seringas infectadas e através da placenta para o feto.

O ciclo da malária humana é homem-anofelino-homem. Os mosquitos macho se alimentam de néctar, porém as fêmeas necessitam de sangue para o amadurecimento dos ovos; ao ingerirem sangue de um indivíduo contaminado contendo as formas sexuadas do parasita tem início uma fase de reprodução sexuada no estômago do inseto, culminando na proliferação do protozoário na glândula salivar.

Mosquito Anopheles darlingi, principal vetor da malária
 no Brasil.
O mosquito então pica outro humano, injetando sua saliva contaminada, que contém anticoagulante. Em um período de cerca de 30 minutos, o plasmódio infecta o fígado, se reproduzindo assexuadamente até arrebentar as células, liberando toxinas e elevando a temperatura (febre); então o parasita vai para o sangue e contamina as hemáceas. Lá, há uma maior reprodução, que resulta na lise dos glóbulos vermelhos; a cada lise, mais células são infectadas.

Os sintomas mais comuns envolvem febre alta, calafrios intensos alternados por ondas de calor e suor abundante, dor de cabeça e no corpo, falta de apetite, pele amarelada e cansaço. Geralmente, os sintomas se repetem a cada dois ou três dias (coincidindo com a lise das hemáceas), período em que o hospedeiro se sente bem; por isso, a malária também é chamada de febre terçã.

O mosquito vetor da doença varia de espécie conforme a região, porém sempre sendo Anopheles. Como o plasmódio necessita de um tempo mínimo para se desenvolver no vetor, a malária ocorre em regiões tropicais e sub-tropicais, onde as temperaturas mais altas garantem um tempo de vida maior para o mosquito. Embora o principal hospedeiro seja o homem, a doença pode contaminar outros animais.

As medidas profiláticas envolvem o combate ao mosquito, uso de repelente e evitar banhos em igarapés e lagoas ao anoitecer e ao amanhecer. O tratamento indicado é feito por via oral com o uso de medicamentos como o quinino e a artemisina.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

DR's: Flagelos e fímbrias

As bactérias são seres vivos que possuem um reino único para elas: o reino monera.

O reino monera é constituído por seres procariontes, ou seja, que não apresentam núcleo, nem as organelas membranosas comuns nos outros seres; por isso, são os organismos vivos (o que não inclui vírus, viroides e príons) mais simples do mundo. As bactérias apresentam, quase todas, uma parede celular constituída de peptidoglicano (peptídios ligados a polissacarídeos) que se apresenta ao redor da membrana plasmática, para proteção da mesma. Dentro da membrana, há somente o citoplasma e, imerso nele, o DNA, ribossomos (organelas responsáveis pela síntese de proteínas, necessárias para o metabolismo celular) e glicogênio (reserva alimentar). Além do DNA do código genético por si só, há também moléculas menores do acido desoxirribonucleico chamadas de plasmídeos, que conferem algumas características à bactéria. Diversas espécies também possuem flagelos (para a locomoção).
Esquema da estrutura de uma bactéria flagelada.

Há vários formatos para as bactérias, como bastonetes, esferas ou até hélices.

As bactérias podem ser heterotróficas por absorção (com a ejeção de enzimas digestivas no ambiente e depois a absorção das moléculas do alimento pela célula, ou o que também chamamos de decomposição) ou autotróficas por fotossíntese, quanto a sua nutrição.

Quanto a respiração, as bactérias podem ser aeróbias (dependentes do oxigênio para conseguir energia para sua sobrevivência), anaeróbias estritas (ou obrigatórias; não podem ter contato com o oxigênio, já que não conseguem se utilizar dele, de forma que sua presença na célula é letal) ou anaeróbias facultativas (se houver oxigênio, se realiza a respiração aeróbia, se não houver, se realiza a fermentação).

As bactérias se reproduzem tanto assexuada, quanto sexuadamente. O principal modo é o assexuado, por bipartição, em que a célula aumenta, duplica o DNA e se divide em duas bactérias geneticamente iguais. Também pode haver reprodução sexuada, por assim dizer, embora não haja sexo específico, mas sim a troca de material genético, na conjugação. Nesse processo, uma bactéria se liga a outra através de pequenas estruturas parecidas com pelos chamadas fímbrias, havendo a troca de plasmídeos. Assim, quando a célula, com novos genes, se dividir, haverá a formação de duas outras bactérias diferentes da inicial. Através desse processo que há a maior variabilidade genética, podendo ocasionar na geração de bactérias resistentes a determinados antibióticos, por exemplo.

domingo, 6 de abril de 2014

História Viva: Vacas e vacinas

Embora a real descoberta dos vírus só tenha sido iniciada no fim do século XIX, as experiências na área da virologia já haviam começado cem anos antes, mesmo sem o conhecimento desses microscópicos agentes patogênicos.

No século XVIII, o mundo estava assolado por uma grave doença viral: a varíola. Endêmica na maior parte do planeta, foi inclusive a principal causa da queda da Tríplice Aliança na América (também conhecida como Império Asteca, embora essa noção tenha sido questionada por historiadores do século XIX, já que era na verdade uma coligação de três importantes cidades indígenas, sendo Tenochtitlán a de maior poder). Já no século XVII, epidemias de varíola na Inglaterra matavam o equivalente a um sexto dos nascimentos.

Tetas (úbere) de vaca contaminada com a varíola bovina.
Nesse contexto, Edward Jenner, um médico inglês, descobriu a vacina. Em 1789, ele notou que as vacas possuíam uma versão mais leve da varíola, apresentando as feridas características da doença nas tetas (úbere). Em 1796, instigado por um ditado popular que dizia que as mulheres do campo nunca contraíam varíola e pelo fato de que elas realmente tinham a pele mais bonita, sem as terríveis manchas da doença, Jenner começou sua pesquisa. Ele supôs que as mulheres do campo, por ordenharem as vacas, estavam expostas ao vírus da varíola bovina, e por isso contraíam a versão mais leve da doença, porém conseguindo imunidade para a fatal varíola humana.

Como teste para sua hipótese, Edward Jenner contaminou um garoto com o vírus da varíola, retirando o pus das feridas de uma vaca contaminada e espalhando-o por arranhões no braço do menino. As consequências foram uma leve febre e suaves lesões na pele, com recuperação rápida, muito diferente da doença humana normal. Para ratificar o experimento, ao contaminar o mesmo garoto com a varíola humana o menino só contraiu febre e não desenvolveu o resto da doença. Estava descoberta a imunização.

Em 1797, Jenner mostrou seus relatos para a Royal Society, a Academia de Ciências do Reino Unido, porém seu trabalho foi rejeitado por haver provas insuficientes. Então, o médico inglês realizou novos testes semelhantes em várias outras crianças, inclusive seu filho, obtendo os mesmos resultados. Assim, em 1798, sua pesquisa foi publicada. Entretanto, a crítica era fervorosa e não admitia que se infectassem seres humanos com uma doença bovina, ridicularizando a ideia.

Felizmente, as vantagens da imunização suplantaram os ideais nobres dos pesquisadores científicos da época, já que quem não se imunizava sofria os males de uma das piores epidemias que a humanidade já viu. Foi-se dado o nome de vacina (de vaccinia, o agente infeccioso da varíola bovina) para esse novo modo de imunização. E depois de muito esforço, em 1980, a varíola foi erradicada do planeta, conforme a Organização Mundial de Saúde.

Fonte da imagem: http://rehagro.com.br/

Ciência Moderna: Viroides e príons

Por mais incrível que possa parecer, existem agentes patogênicos mais simples do que os vírus.

Por volta de 1970 descobriram-se os viroides, seres fitopatógenos, ou seja, organismos (em geral microorganismos) que atacam células vegetais através de enzimas ou toxinas que desregulam o metabolismo celular ou por bloquearem o transporte de água e nutrientes das raízes para as folhas, aproveitando-as para o próprio crescimento. São basicamente constituídos de uma única molécula de RNA simples, sem qualquer proteína, sendo completamente dependentes da célula hospedeira para a reprodução.

O primeiro viroide foi descoberto por Diener em 1971, e, desde então, diversos outros têm sido identificados em várias plantas cultivadas. Os viroides se propagam nas plantas como muitas sequências de RNA semelhantes, mas não iguais, pois não possuem um sistema de correção nas RNA polimerases, o que provoca mais mutações. A transmissão dos viroides de planta para planta se dá em geral mecanicamente, podendo às vezes haver transmissão por pólen e sementes; também pode haver contaminação por instrumentos de poda.

Neurônios afetados por príons no microscópio eletrônico.
Mais além nesse mundo microscópico extremamente simples, existem os príons, que nada mais são que moléculas de proteínas com uma deformidade que as torna infecciosas. Diferentemente de todos os outros agentes patogênicos, os príons não possuem material genético. A proteína alterada é capaz de alterar também as proteínas saudáveis ao seu redor, transformando-as em príons, ou até gerar réplicas de si mesmo, embora o mecanismo pelo qual isso se faça seja desconhecido.

Essa mutação ocorre em proteínas do sistema nervoso, e justamente por isso afeta os neurônios, provocando a sua morte e, consequentemente, perda de controle motor e demência, podendo até ocasionar a morte do indivíduo. Por serem moléculas altamente estáveis, enzimas, calor, substâncias químicas e até a radiação ultravioleta não exterminam os príons, que também não podem ser eliminados pelas defesas do sistema imunológico. As doenças causadas pelos príons, conhecidas como encefalopatias espongiformes (devido a semelhança do cérebro com uma esponja quando afetado), não têm cura.

O gene que codifica os príons pode ser herdado, e também pode haver contaminação através de instrumentos cirúrgicos infectados. A principal doença causada por príons é a doença da vaca louca, que, como o nome diz, surgiu nos rebanhos bovinos e contaminou o ser humano através da ingestão da carne infectada.

Fonte da imagem: http://www.irbbarcelona.org/

DR's: Proteínas e ácidos nucleicos

Os vírus são objetos de discussão. Não apresentam organização celular e nem metabolismo próprio, portanto não podem ser considerados seres vivos. Por outro lado, possuem reprodução (ainda que somente em um hospedeiro), hereditariedade e evolução, o que faz com que alguns cientistas discordem da ausência dos vírus nas classificações taxonômicas. De qualquer forma, esses agentes patogênicos não fazem parte de nenhum dos cinco reinos.

Esquema de vírus envelopado; na figura,
genoma em vermelho, capsômeros em
verde e envelope em cinza, com proteínas
em laranja. Cores fantasia.
Os vírus, conforme sua estrutura, se dividem em dois tipos: os não-envelopados e os envelopados. Os vírus não-envelopados possuem somente o genoma (DNA ou RNA) envolto por um capsídio, uma cápsula de proteínas constituída de várias unidades menores, os capsômeros. Tudo isso nós chamamos de nucleocapsídio.

Já os vírus envelopados possuem toda a estrutura dos não-envelopados e mais uma parte: o envelope. O envelope é uma estrutura que engloba todo o vírus composto pela membrana plasmática de uma célula já invadida.

Para a invasão de um hospedeiro, os vírus utilizam proteínas ligantes que possuem na sua superfície, que só se unem às proteínas da célula específica que será invadida. A reprodução do vírus no interior da célula é comandada pelo genoma do vírus.

Fonte da imagem: http://pt.wikipedia.org/

quarta-feira, 2 de abril de 2014

História Viva: Cães gregos, tabaco estragado e proteínas

As doenças sempre assolaram a humanidade e ainda são uma das principais preocupações da sociedade. Felizmente, o avanço da biologia nos revelou grande parte das causas de males de saúde e como controlá-las. Mas, em um passado não tão distante, essas informações não eram conhecidas nem pelos mais altos intelectuais e estudiosos cientistas. E das diversas causas patológicas, o vírus (do latim para "veneno") foi a última a ser descoberta.

Homero, grande poeta da Grécia Antiga, nos traz a primeira referência à doenças virais. Na sua obra "Ilíada", ele se utiliza da expressão "cães raivosos" para referir-se ao comportamento dos cães infectados com o vírus causador da doença chamada - adivinha - raiva. Na Mesopotâmia, berço da civilização, também já era conhecida a raiva, causada por algum "veneno". E no Egito, desenhos dos túmulos mostram pessoas com deformações nos membros inferiores, uma possível poliomielite.

Porém, o real estudo dos vírus se deu muito mais tarde. Em 1796, Edward Jenner elaborou a vacina da varíola, o que é assunto para outra publicação. Entretanto, ainda não se conhecia a causa da doença.

Até o final do século XIX, os únicos agentes patogênicos que se conheciam eram bactérias, fungos e protozoários. Robert Koch ajudou muito para o desenvolvimento do estudo patológico cultivando a bactéria causadora da tuberculose em laboratório, em 1880. O mesmo Koch que elaborou 4 postulados (ou regras) às quais um organismo teria que obedecer para ser identificado como o causador de uma doença:
1 - O organismo deve ser encontrado nas lesões da doença com regularidade.
2 - O organismo deve ser isolado do hospedeiro infectado e cultivado em laboratório.
3 - A contaminação de um hospedeiro saudável com o organismo puro cultivado em laboratório deve iniciar a doença.
4 - O organismo deve ser encontrado nas lesões do segundo hospedeiro infectado.

Folha de tabaco afetada pelo mosaico do tabaco.
Em 1892, um estudante russo de botânica, Dimitri Ivanovski, fez um artigo científico sobre o mosaico do tabaco, uma doença que causa manchas amarronzadas ou amareladas nas folhas do vegetal, inutilizando-o para o comércio, como mostra a figura ao lado. Os resultados da sua pesquisa foram intrigantes: a seiva infectada do vegetal continuava transmitindo a doença mesmo depois de passar por uma vela de Chamberland - uma espécie de filtro que era capaz até de reter as bactérias. Logo, o agente infeccioso não era nenhum ser dos tipos conhecidos. Dimitri então supôs que a doença fosse resultado de uma toxina possivelmente liberada por bactérias do mosaico, e sua pesquisa parou por aí.

O tabaco é uma espécie vegetal americana, sendo levado para a Europa somente no século XVI, resultado do intercâmbio colombiano, denominada Nicotiana tabacum. Como o próprio nome diz, o tabaco possui nicotina, uma substância que pode levar ao vício. Inicialmente utilizado por suas propriedades terapêuticas, no século XIX o tabaco era tão somente popular pelo prazer de fumar, como uma mera ostentação começada na Espanha com o charuto. Com todas essas características, fica óbvio que a planta ocupava um importante papel econômico, enchendo grande parte do território rural nas enormes fileiras de plantações monoculturais. Como a mesma espécie se espalhava por quilômetros de terra, uma doença que pegasse em uma planta poderia facilmente contaminar suas milhares de vizinhas.

Em 1898, o mosaico do tabaco foi novamente alvo de pesquisas. Dessa vez, o holandês Martinus Beijerinck repetiu as experiências de Dimitri, porém discordou da conclusão. Após mais alguns testes, Beijerinck descobriu que a doença não poderia ser causada por uma toxina, pois, ao diluir a seiva contaminada, o poder infeccioso não diminuia, como seria o esperado. Logo, o agente infeccioso deveria ser um microorganismo, porém de certa forma fluido, já que não era filtrado pela vela de Chamberland. Foi dado o nome de Contagium vivum fluidum a esse ser desconhecido. Toda essa ideia foi ridicularizada no meio científico, embora esse fosse o primeiro vírus a ser identificado.

Logo depois de Beijerinck, vários vírus foram descobertos. Na Alemanha, o primeiro vírus que agia em animais foi encontrado, o da febre aftosa; em Cuba, o primeiro vírus que infectava homens foi identificado, o da febre amarela; e, durante a Primeira Guerra Mundial, descobriu-se o primeiro bacteriófago, um vírus que contamina bactérias. A partir daí, dezenas de vírus eram encontrados, todos obedecendo aos postulados de Koch. Porém, como o microscópio óptico não conseguia mostrar esses agentes patogênicos, não se sabia ainda que eram vírus os causadores de tanta doença. Especulavam-se que seriam parasitas, talvez até pequenos protozoários ou enzimas.

Somente em 1928 surgiu a primeira ideia de vírus. Segundo Arthur Boycott, esses seres seriam organizados em proteínas, e portanto não teriam metabolismo, só se utilizariam do metabolismo da célula hospedeira. Mas foi em 1935 que a grande descoberta foi feita. O norte-americano Wendell Stanley conseguiu isolar tanto o agente infeccioso do mosaico do tabaco que obteve um simples cristal de proteínas que ainda conservava as características infecciosas. Entretanto, em 1936 descobriu-se que não eram somente proteínas nesse cristal, mas que ali também tinha acido ribonucleico, o RNA, a base da genética de um organismo.

Desde então, sabe-se que os vírus são ribonucleicoproteínas - nome difícil para proteínas com material genético. A invenção do microscópio eletrônico nos fez enxergar os vírus, e cada vez mais sua estrutura foi descoberta, detalhe por detalhe, até chegarmos ao conhecimento atual.